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quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Ás de Ouros - Capítulo 1 [1]

Era meia noite e Carlos entrava em seu apartamento praticamente na ponta dos pés. Fechou a porta o mais silenciosamente que pôde, mas não conseguiu evitar o barulho da maçaneta ao largá-la. Ele prendeu a respiração durante alguns segundos, como se esperasse por alguma reação, que não aconteceu. Respirou aliviado.

Praticamente deslizando pelo chão, Carlos colocou o molho de chaves em cima da mesa da cozinha, e após beber um copo de água, dirigiu-se ao banheiro levando consigo a sua sacola preta de alça. Jogou a sacola surrada em cima do vaso sanitário e se despiu largando as roupas no chão do banheiro.

O primeiro jato de água quente que acertou o seu rosto o imobilizou. Carlos ficou alguns instantes com os olhos fechados, respirando fundo e apenas sentindo a água escorrendo por seu corpo. Carlos não era muito alto e tinha o físico do tipo atlético, resultado dos 15 anos de judô que praticou. Agora, com os seus 44 anos de idade, ele já não possui mais interesse em praticar esportes e sua única atividade física se resume a corridas matinais em dias aleatórios na orla da praia, que servem mais para aliviar o estresse do dia-a-dia que manter a forma. Carlos nunca colocou um cigarro na boca e não bebe um copo de cerveja desde a adolescência, e talvez por isso sua aparência ainda seja de uma pessoa na faixa dos 30 anos. Tinha uma cicatriz na parte direita da barriga de quando foi vítima de uma facada ao cometer um erro crucial nos seus primeiros anos como investigador de polícia e que quase lhe custou a vida. Os médicos disseram que ele tinha sorte em ter sobrevivido. Desde então ele aprendeu a nunca dar as costas a ninguém.

Carlos entrou no quarto se preocupando menos em não fazer barulho. Sua esposa, Tereza, estava deitada na cama, virada para a janela (e de costas para ele), em posição fetal e respirando fundo. Ele sabia que ela não estava dormindo, mas que continuaria fingindo até a hora que ele se deitar. Carlos sabia que Tereza desconfiava que ele tivesse uma amante, mas que ela não falaria nada até ter certeza. E os dois sabiam que esse jogo de fingir ainda iria durar algum tempo.

Carlos colocou a sacola na parte alta do guarda roupas, o celular na mesinha de cabeceira, apagou a luz do quarto e deitou-se na cama, de costas para esposa. Instantaneamente, Tereza se mexeu na cama e Carlos deu um sorrisinho como se dissesse “eu já sabia”.

Tereza murmurou alguma coisa, que Carlos ignorou. Estava muito cansado. Fechou os olhos, mas cinco segundos depois o seu celular tocou.

Puta que pariu, a essa hora?

Foi o único pensamento que passou na cabeça de Carlos.

Sem abrir os olhos, Carlos tateou e pegou o celular. Atendeu sem olhar quem era.

– Alô – sua voz saia quase que forçada.

A voz do outro lado da linha falou algo e Carlos arregalou os olhos.

­– Quem? – falou agora em voz alta. – Oh, meu Deus!

Tereza não podia mais fingir que estava dormindo. Ela se espalhou na cama ao mesmo tempo em que Carlos se levantava.

– Já estou indo para o local – falava Carlos enquanto vestia uma calça. – Sim, sim, eu sei onde fica.

Desligou o celular e olhou para Tereza, que estava deitada na cama o observando.

– Desculpe-me, amor, eu não queria te acordar.

Carlos mal percebeu a ironia de sua frase.

– Tenho que ir, é uma emergência.

E saiu apressado.

Tereza deu um suspiro na cama e resmungou pra si mesma:

– Como sempre.

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